Perdemos um enorme aliado na difusão da cultura arquitectónica portuguesa
Manuel Graça Dias (Lisbon, 1953 - 2019)
“A nossa função, enquanto professores, é ver qual é a melhor maneira de dar a cada um, dentro do possível, os instrumentos necessários para conseguir chegar ao conhecimento por si e, depois, a partir daí elaborar, fazer, propor, inventar, descobrir-se a si próprio e às suas capacidades e limitações.” Manuel Graça Dias
Aos 65 anos, perdemos o arquitecto, professor, opinion maker, Manuel Graça Dias cuja consistente carreira junta um legado construído, a um legado de reflexão crítica que passou também pela divulgação, partilha e tradução de conhecimento para um público global, naturalmente, assumindo um papel preponderante na difusão da arquitectura portuguesa.
"Manuel Graça Dias viveu a arquitectura com uma energia inesgotável através das suas múltiplas dimensões, desenhando, construindo, divulgando, ensinando, escrevendo, partilhando. Era uma mente crítica que, para lá do carácter único e singular da obra que materializou com o arquitecto Egas José Vieira no atelier Contemporânea, deu um contributo decisivo e de uma generosidade inigualável, para a divulgação da arquitectura portuguesa. Com o seu desaparecimento perdemos um amigo e a cultura nacional sofreu uma perda tristíssima e irreparável.” José Mateus, Presidente da Trienal de Arquitectura de Lisboa
Visita Guiada com o autor à Pizzeria Casanova | Open House Lisboa 2012
Manuel Graça Dias é um autor que teve a audácia de seguir caminhos pouco ortodoxos, a partir de uma abordagem singular, em que adoptou a via de uma arquitectura de risco, com projectos de personalidade vincada que aliam a dimensão performática à humorística.
O arquitecto, que dividia o atelier com Egas José Vieira no atelier Contemporânea, é co-autor, entre muitos outros, da sede da Ordem dos Arquitectos/ Banhos de São Paulo em Lisboa (1991), do Teatro Municipal de Almada (1998) e do novo Teatro Lu.Ca (2018), em Belém. Em todos os seus projectos, a sua marca era traduzida através de um projectar nunca indiferente ao contexto, mas sem nunca procurar ficar camuflado na rua ou na cidade.
Assistente da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (1985-1996) e Professor Auxiliar da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (1997-2015) - onde se doutorou com a tese “Depois da cidade viária” (2009) - Manuel Graça Dias continuou ligado ao ensino como Professor Associado da mesma Faculdade (desde 2015) e Professor Catedrático Convidado do Departamento de Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa (desde 1998), que também dirigiu (entre 2000 e 2004).
Com uma forte faceta mediática, conquistou um lugar de 1ª linha como agente activo na divulgação da arquitectura, ao assumir por um lado, o papel de autor de programas de televisão e rádio e, por outro, ao liderar diversos projectos editoriais em vários meios de comunicação social de referência. Na publicação oficial da Ordem dos Arquitectos, teve um inestimável contributo, tendo estado na frente de duas das mais fortes séries do J-A.
Convidado frequentemente para conferências, exposições e seminários, foi autor de um extenso corpo de artigos, ensaios e publicações de arquitectura. Em 2007, fez a curadoria da representação oficial portuguesa na Bienal de São Paulo com um projecto intitulado “5 Áfricas, 5 Escolas”. Uma proposta arrojada que não se esgotou na criação de um conteúdo expositivo, e visou também incluir um potencial de encomenda de obra construída numa resposta prática a territórios do continente Africano de língua oficial portuguesa. Uma abordagem curatorial que desencadeou, aliás, uma acesa discussão sobre a dimensão simbólica e política deste gesto/tomada de posição.
Com uma visão humanista e um grande sentido de missão, Manuel Graça Dias era um espírito inquieto e um provocador nato que, com generosidade, se assumiu como figura de proa na dinamização da cultura arquitectónica, envolvendo-se na discussão da disciplina com uma eloquência muito própria, a que a ironia e a assertividade não eram alheias. Um arquitecto sempre empenhado ética e civicamente, empenho que lhe valeu vários galardões como com uma menção honrosa do Prémio Valmor e Municipal de Arquitectura em 1983 com uma casa situada na Rua da Senhora do Monte, e tendo em 1999, com Egas José Vieira, recebido o Prémio AICA/MC.
Manuel Graça Dias integrava o conselho Consultivo da Trienal de Lisboa; Comissariou - com Ana Vaz Milheiro - a Exposição Sul África/Brasil para a Trienal de 2010; Participou em inúmeras edições do Open House Lisboa abrindo ao público algumas das mais emblemáticas obras do Atelier Contemporânea e, mais recentemente, conduziu no grande auditório do Centro Cultural de Belém a conversa que se seguiu à conferência do ciclo Distância Crítica com Paul Ghirardani, o Director de Arte da aclamada série A Guerra dos Tronos, sobre arquitecturas ficcionais e construções quase impossíveis.
Paul Ghirardani e Manuel Graça Dias | Distância Crítica | Centro Cultural de Belém | 17 Maio 2017 © Fábio Cunha
Um arquitecto inconformado que se dedicou a construir e inspirar futuros inconformados, que, ao desafiar as normas, abriu caminho à criatividade e ao espírito crítico.