Locais: Museu Colecção Berardo, Fundação EDP - Museu da Electricidade, MNAC – Museu do Chiado, Centro Cultural de Cascais
A segunda edição da Trienal comissariada por Delfim Sardo, teve lugar entre 14 de Setembro de 2010 e 16 de Janeiro de 2011. O tema foi retirado de um verso de um poema de Herberto Helder e a ideia subjacente era a de debater a questão da habitação, tanto no sentido literal como no sentido mais amplo da habitação no mundo, incluindo os seus aspectos sociológicos e culturais.
Com um programa que incluiu 4 exposições, 1 conferência internacional e 4 concursos, Falemos de Casas envolveu 154 357 visitantes e participantes. Este foi também o ano em que Trienal lançou duas iniciativas: o Serviço Educativo, com o intuito de alcançar novos públicos, e os Projectos Associados, um convite aberto à comunidade criativa para apresentar projectos independentes, como parte da Trienal. Um dos destaques do programa foi o evento de encerramento, uma conferência de Jacques Herzog do atelier Herzog & De Meuron, que esgotou a Aula Magna.
Esta Trienal parte da casa como representação do habitar, sabendo que uma casa é sempre mais do que o arquitecto dela pensou, porque uma casa é a representação de uma existência, longa ou fátua, breve ou imensa, como as casas de Cavafis. Uma casa é uma representação de uma ideia de pertença, sempre que é uma casa; é uma exudação de quem nela vive, mudando, transformando, modificando, subvertendo o plano. Assim, falar de casas é falar do permanente conflito entre o desenho e o quotidiano de quem o re-escreve como ocupação. Nesse sentido, o vocativo colhido a Herberto Helder é tomado como uma condição imprescindível da arquitectura, porque esta se joga, em cada momento, como um investimento na tragédia do seu fracasso, às vezes a propósito da sua glória, isto é, da sua apropriação. O pressuposto da Trienal de 2010, portanto, é este: Falemos de casas, porque elas são o destino da arquitectura na sua versão mais literal, mas também na sua representação metafórica. Acrescentamos: as casas são os transcendentais da arquitectura.
No contexto da Trienal de 2010, a exposição “Falemos de Casas: Entre o Norte e o Sul” aponta para uma zona intersticial, algo que fica entre. Esse foi o ponto de partida que foi estabelecendo o desenho desta tentativa de efectuar um balanço sobre o habitar contemporâneo a partir de um ponto de vista que é aquele que se pode construir a partir de Portugal; entre o Norte e o Sul das referências da arquitectura portuguesa, entre os pólos da sua topologia plural ou na dicotomia da ambivalência portuguesa. Nesse sentido, a exposição partiu do convite a um grupo de curadores para tratarem diferentes problemas a partir de enfoques geográficos específicos: a Pedro Pacheco e Luís Santiago Baptista, foi solicitado que pensassem a questão portuguesa; a Manuel Graça Dias e Ana Vaz Milheiro, que pensassem as questões do habitar num olhar sobre situações em África – claramente a partir dos países africanos que possuem um passado recente de colonialismo português – e no Brasil; a Peter Cook, que fizesse um périplo pelos países do Norte da Europa (Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca) para encontrar os desenvolvimentos recentes do habitar nórdico – com toda a carga mítica que a resistência do Norte possui para nós; e a Diogo Seixas Lopes, para olhar as relações entre a Suíça e Portugal, projecto que ele sabiamente subverteu. O projecto SAAL e The House of the Future foram o ponto de partida programaticamente dado aos curadores como o chão a partir do qual a reflexão lhes era solicitada.
A Ligação Nórdica
O mapeamento das situações do Norte da Europa, com que Portugal mantém uma relação dúplice – simultaneamente distante, mas com um elo marítimo –, foi concebido por Peter Cook, que efectuou um périplo pela Dinamarca, Suécia, Noruega e Finlândia para aí encontrar, na tradição nórdica da madeira, da leveza, da turfa e do mar, um caminho de conexões que o levou a seleccionar oito ateliês, efectuando um mapa provisório e recortado dos caminhos do habitar nórdico.
Arquitectos representados: ALA Architects; Anttinen Oiva Architects; Dorte Mandrup; Helen & Hard; Jensen & Skodvin Architects, Mette Ramsgard Thomsen & Karin Bech (CITA), Snohetta AS, Tham & Videgård Architects.
Fundação EDP - Museu da Electricidade. Concepção curatorial de Delfim Sardo, com assistência curatorial de Rita Palma. Os comissários foram Manuel Aires Mateus e João Luís Carrilho da Graça.
No contexto da Trienal de Arquitectura de 2010, os concursos que se apresentam em parceria com a Fundação EDP no Museu da Electricidade possuem uma importância nuclear. Em primeiro lugar, a tipologia do concurso representa uma parte muito importante da actividade do arquitecto: os concursos são momentos de grande pressão, mas também do embate com as contingências do real que são específicas da cultura de projecto arquitectónica. Em segundo lugar, ambos os concursos que a Trienal decidiu lançar, nas diferenças de tipologia e âmbito que os separam, possuem uma comum preocupação: são momentos em que se propôs à comunidade arquitectónica pensar sobre questões reais ligadas a problemas de vivência de lugares específicos. Esta forma de entender as potencialidades da arquitectura para construir melhores condições de vida resolve-se de forma diferente em cada um dos momentos que deram origem a esta exposição. No conjunto destes dois concursos, configura-se uma abordagem da arquitectura para o espaço real, para as pessoas e para as cidades reais. Num certo sentido, são o princípio de percursos, de caminhos de trabalho que se desenvolverão se a energia que as mobiliza contagiar os inúmeros parceiros que envolvem.
Chegar à Cova da Moura foi uma enorme surpresa. Eu tinha uma ideia da Cova da Moura fabricada por informação de outras vias, achava que sabia o que era. Na verdade, a minha maior surpresa, à chegada, foi descobrir um bairro que era uma espécie de cidade consolidada, ao contrário da gigantesca periferia que existia à volta. Essa impressão de cidade consolidada, dada pela densidade urbana, parecia transmitir-se à população. E essa foi uma primeira impressão de choque (...).
No fundo, o que se passa na Cova da Moura é que o espaço público que é determinante acaba por ser um espaço que se torna – e ali nós sentimo-lo – precioso. É um espaço de encontro, e sentimos que está verdadeiramente ligado a coisas que são muito reais.
Olhar para um bairro que diz “isto foi uma escolha” é uma grande lição; vermos um bairro que é orgulhoso de si, um bairro que diz “nós somos da Cova da Moura, não somos dali, somos daqui!”
O mais interessante neste concurso foi reconhecer que não sabemos como se actua. Vamos descobrir, partilhar e discutir essas descobertas, principalmente, discutir o que cada um de nós vai encontrar nas respostas.
Manuel Aires Mateus in Catálogo Falemos de Casas: Concursos
O concurso A House in Luanda: Patio and Pavilion é um concurso internacional de contornos também muito simples: em colaboração com a Trienal de Luanda (que apresentará, posteriormente, esta exposição), foi definida pelo comissário do projecto, João Luís Carrilho da Graça, uma tipologia de concurso que desenhava um repto. Pretendia-se encontrar propostas para uma habitação unifamiliar para Luanda de custo reduzido (não mais de € 25.000 de custo de construção) que pudesse fazer cidade a partir da relação entre o interior e o exterior, que respeitasse as especificidades culturais, sociais, económicas e antropológicas de Luanda – uma cidade que, no seguimento de um crescimento rápido e por vezes brutal ao longo dos últimos anos, viu o seu parque habitacional ser absolutamente insuficiente para as necessidades de uma população várias vezes superior às suas capacidades de acolhimento. Os musseques crescem em Luanda como um vírus que alastra pelo tecido urbano, e as periferias enchem-se de condomínios fechados. A cidade necessita de se repensar e refundar.
O concurso acabou por resultar no concurso de arquitectura mais participado alguma vez efectuado em Portugal: 599 propostas oriundas do mundo inteiro, das quais o júri, presidido por Álvaro Siza Vieira e que incluiu Barry Bergdoll, Ângela Mingas, Fernando Mello Franco e o comissário do projecto, João Luís Carrilho da Graça, seleccionou as trinta que agora estão em exposição.
Fundamentalmente, a ideia do concurso era criar condições para que aquela vida se normalizasse, para que passasse a ter infra-estruturas básicas e pontos de apoio que permitissem que a vida se desenrolasse de uma maneira criativa.
A definição do concurso, essa ideia de ter um espaço exterior, que nos põe em contacto com o céu, e um espaço coberto e fechado são um enunciado fantástico para esta possibilidade de construir casas em Luanda – onde o clima é razoável e onde nós podemos imaginar que a vida se possa passar exactamente assim, entre o exterior e o interior, de uma maneira bastante intensa. O que procurámos com este concurso foi abrir perspectivas e possibilidades. Mais do que gerar imediatamente a construção de milhares de casas, trata-se de imaginar a possibilidade de uma reflexão profunda e que isso poderá permitir às próprias pessoas compreender melhor o problema da habitação, tentar encontrar soluções e resolvê-lo. Todo o conjunto de reflexões e de projectos que foi apresentado para este nosso concurso tem como resultado fundamental, penso eu, essa possibilidade de reflexão, essa possibilidade de abrir perspectivas e de esclarecer aquilo de que estamos a falar, isto é, a possibilidade de construir casas para uma população que precisa delas de uma maneira urgente num país riquíssimo com recursos muito variados.
Espero que este concurso ajude a alterar ou a intensificar a relação entre os arquitectos portugueses e este tipo de problemáticas, não só em África mas noutros continentes. Estamos a olhar para uma cidade que tem um certo tipo de problemas num mundo que está cheio de problemas por todo o lado.
João Luís Carrilho da Graça in Catálogo Falemos de Casas: Concursos
Num contexto tomado pela ideia de “arte em geral”, existe uma crença crescente na ideia de cruzamento entre arte e arquitectura, ou seja, na ideia quase generalizada de que existe um continuum entre os dois campos, quase não se podendo, em algumas situações, efectuar uma clara distinção. Porventura, do campo da arquitectura existe também um fascínio pela criação artística, não só pelo enorme potencial de liberdade que os arquitectos reconhecem aos artistas, mas também porque a experimentação é mais directa, pessoal e radical no interior da arte, em experiências que propiciam um permanente cadinho de referências e problemáticas.
Existe, no entanto, uma clivagem determinante: a arquitectura trabalha sobre a realidade do espaço vivencial, e a arte trabalha sobre os mecanismos de representação da espacialidade. Esta diferença, por vezes voluntariamente esquecida por ambas as partes, possui uma potencialidade de equívoco notória em muitas exposições de arquitectura (em que esta se comporta como a reificação objectual da arte transformada em maneirismo), como na prática artística, seduzida pela noção de projecto, agora sem objecto.
Esta exposição é sobre a fala arquitectónica que percorre a arte contemporânea, independentemente das várias motivações que a envolvem: ou como representação do espaço arquitectónico, ou como uso de uma ideia de vernaculidade arquitectónica, ou como fascínio pelo primado do uso e da habitabilidade. Em qualquer dos casos, a conexão que a arquitectura traz ao real – ou à representação do real, que navega no interior das preocupações artísticas é o magnete que alimenta esta permanente relação. Assim, não procurando efectuar um panorama histórico, a exposição move-se pelo interesse mútuo entre ambos os campos, sendo claro que o seu propósito parte da ideia de que a qualidade de um trabalho artístico que usa processos arquitectónicos não é conceptualizável a partir de ferramentas de análise arquitectónicas, mas artísticas, o que, no entanto, não impede que se possa compreender o refluxo que, por vezes, possuem no contexto da arquitectura.
O Festival Temps d’Images apresenta Wall Piece (2000) de Gary Hill como projecto associado da Trienal de Arquitectura de Lisboa.
Projecto de curadoria focado na produção da arquitectura doméstica. A ideia é a de revelar os dispositivos espaciais, funcionais e paisagísticos de uma concepção feita para responder ao quotidiano da vida privada.
O facto do universo geográfico e social se concentrar em Cascais estimula uma abordagem articulada de acordo com matrizes tão diversas como nostalgia e cosmopolitismo, público e privado, quotidiano e vivências, construção e paisagem, experimentação e inovação. Cascais é entendido como lugar mágico de pulsão destes valores na contemporaneidade.
Para tal são eleitos 7 casos de estudo de modo que permitem perspectivar o tema como: 1) a casa como programa de experimentação espacial e construtiva; 2) a casa como lugar de projecção da quimera de felicidade; 3) a casa como promessa da “boa vida”; 4) as casas de Cascais no mapa da arquitectura contemporânea.
Partimos do princípio que Cascais tem uma atmosfera feita de casas de excepção e por isso perguntamos porque é que o programa da casa unifamiliar é tão fascinante para arquitectos e porque se concentram em Cascais muitos dos melhores exemplos da contemporaneidade. Os 7 casos de estudo constroem uma rede lançada da “casa portuguesa” ao modernismo, do espírito clássico à modernidade radical, da organicidade e complexidade intensas, à depuração e suspensão na paisagem.
Desenhos, maquetas, instalações e projecções de imagens, são os utensílios desta mostra acompanhados de um livro crítico-reflexivo e de desejadas visitas a alguns dos lugares.